OS PADRES E A PRIMEIRA MISSÃO CRISTÃ
- Henderson Souza
- 13 de jun. de 2023
- 9 min de leitura

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS ESCOLA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E HUMANIDADES CURSO DE TEOLOGIA
HENDERSON SOUZA PEREIRA
ARTIGO: OS PADRES E A PRIMEIRA MISSÃO CRISTÃ
Goiânia
2023
Introdução
A patrologia é o estudo dos escritos dos Pais ou Padres da Igreja, que foram os líderes e teólogos cristãos dos primeiros séculos após a morte de Jesus Cristo. Esses homens foram importantes na disseminação da mensagem cristã e na formação da Igreja primitiva. A fé nasce da palavra, e de um testemunho dado à viva voz por Jesus, e o ensinamento apostólico foi fundamental para apoiar a proclamação do Evangelho (Cf. Rm.10,17; At. 2,42).[1] As missões foram muitas vezes difíceis e perigosas, (cf. II Co. 11,23-28) mas foram fundamentais para a expansão da Igreja e para o estabelecimento de comunidades cristãs em todo o mundo antigo (cf. At. 13, 1-3).
Para os Cristãos a missão cristã é o ato de espalhar a mensagem do evangelho e convidar as pessoas a se converterem ao cristianismo. Essa missão é baseada nas instruções de Jesus Cristo, que disse a seus discípulos para irem pelo mundo e pregarem o evangelho a todas as pessoas (cf. Marcos 16,15). Os discípulos de Jesus anunciam aos demais as grandiosidades do Reino de Deus, a alegria de conhecer o Senhor e estar com Ele. Testemunham o encontro que tiveram com Cristo. Este conhecimento convida o evangelizado a abertura para o outro, o novo, o diferenciado. E este tema estava muito presente nos primeiros tempos do cristianismo, por este motivo instigo a esta reflexão, de como esses conceitos foram vivenciados, e levados por inúmeras pessoas e padres através das primeiras missões cristãs (cf. At. 1,8)
O cristianismo observa que a missão “não é um compromisso induzido de fora nem um "serviço" ao lado de tantos outros. Ela é uma necessidade de quem não pode se calar, pois ouviu, viu, tocou (cf. 1Jo 1,1 – 3)”[2]. O contato pessoal de pessoa a pessoa, cidade por cidade, contatos interpessoais são o que fazem o cristianismo se difundir (cf. Lc. 10, 1-11). A colaboração de pessoas não batizadas na liturgia, era suscitada pelos mártires e a impressão das maravilhas dos milagres e dos exemplos dos cristãos.[3] Deste modo o Evangelho começa a se difundir entre as nações e a Igreja pode ser chamada como “A Igreja da missão”[4]
1. A missão cristã
A primeira missão cristã, de acordo com relatos bíblicos, é descrita no livro de Atos dos Apóstolos, capítulo 2, após a ascensão de Jesus e a vinda do Espírito Santo no dia de Pentecostes. No relato bíblico, os apóstolos, liderados por Pedro, estavam reunidos em Jerusalém quando o Espírito Santo desceu sobre eles em línguas de fogo. Eles começaram a falar em línguas diferentes e foram ouvidos por uma multidão de pessoas de diferentes nações que estavam presentes em Jerusalém naquele momento.
Pedro, então, proclamou um poderoso discurso, explicando que o que estava acontecendo era o cumprimento das profecias do Antigo Testamento e que Jesus, a quem os judeus haviam crucificado, era o Messias prometido. Ele chamou as pessoas ao arrependimento e à fé em Jesus como o Filho de Deus e Salvador. O resultado dessa pregação foi que muitos dos ouvintes foram tocados e se converteram ao cristianismo. O livro de Atos registra que "naquele dia, cerca de três mil pessoas foram acrescentadas à igreja" (Atos 2,41). Essa missão, ocorrida em Jerusalém, pode ser considerada o ponto de partida da propagação do cristianismo. Ela estabeleceu o exemplo de como os apóstolos e seguidores de Jesus deveriam proclamar o evangelho e atrair pessoas para a fé cristã.
Podemos observar sequencialmente a influência e a importância da missão de Paulo que é descrita em Atos dos Apóstolos.
“Barnabé, porém, levou-o aos apóstolos, contou-lhes como Saulo tivera uma visão no caminho, quando o Senhor lhe falara, e como, em Damasco, pregara corajosamente em nome de Jesus. Desde então, Saulo andava com eles em Jerusalém, pregando corajosamente em nome do Senhor.” (cf. At. 9,27-28).
Após o testemunho de Barnabé, Paulo começou a andar com os discípulos em Jerusalém, pregando corajosamente em nome do Senhor Jesus. Ele não apenas pregava aos judeus, mas também aos helenistas, judeus de cultura grega, o que gerou conflitos, levando-os a querer matá-lo. Quando os outros discípulos, ficaram sabendo das ameaças contra Paulo, eles o levaram para Cesareia e o enviaram de lá para Tarso, sua cidade natal.
Essa passagem descreve um momento crucial na vida de Paulo, quando ele começa a exercer seu ministério como pregador do evangelho de Jesus Cristo, enfrentando oposição e perseguição. A missão de Paulo, continuou a se expandir ao longo de suas viagens missionárias posteriores, levando a mensagem de Jesus para muitas regiões e comunidades diferentes.
Paulo e Barnabé foram enviados para levar a mensagem de Jesus Cristo aos gentios em Chipre e na Ásia Menor (cf. At. 13,1-3). Esta missão foi fundamental para a expansão do cristianismo além da comunidade judaica e para a criação de novas comunidades cristãs. Paulo, e Barnabé confortavam as almas dos discípulos, exortando-os a perseverar na fé, e dizendo que para entrarmos no Reino de Deus é preciso passar muitas tribulações (cf. At. 14,22). Após anunciarem a palavra, reuniam a igreja para testemunhar todos os atos que Deus fizera com eles, principalmente a porta da fé que foi aberta aos gentios. E permaneceram unidos aos apóstolos por um longo período de tempo, mostrando a importância da evangelização para a formação e crescimento da Igreja (cf. At. 14,24-28).
2. contexto da missão
A missão é dom e graça de Deus (cf. Ef.3, 7-8), no entanto, necessita de um contexto, de uma cultura, para crescer e para se desenvolver. Em sua divulgação, pode ocorrer a repulsa, a recusa diante de sua proclamação.[5] Um fato essencial é que a missão aconteceu no Império romano que não era a religioso; pelo contrário, estavam presentes diversos deuses em contexto social marcado pelo politeísmo.[6]
O Império Romano, no início de nossa era, se estendia da Gália, passando pela Ásia Menor, ao Oriente Médio, compreendendo todo o norte da África. A cidade de Roma era considerada a capital do mundo. Todavia a religião oficial parecia cada vez menos capaz de satisfazer as necessidades do povo. Isto em grande parte por causa do ritualismo formal a que se reduziu o culto aos deuses e pelo fato de a casta dos pontífices ser absorvida pelo poder político. Como resultado, o povo não encontrava na religião oficial espaço para expressar suas inquietações pessoais. A religião se distanciara do sentimento religioso da grande massa, que irá buscar outros canais para manifestá-lo e realizá-lo.[7]
A missão cristã que está se desenvolvendo no Império, que é um terreno já evangelizado de acordo com sua cultura e tradição. Mas o cristianismo não é dona da cultura, ela utiliza dela para uma missão interna já que os que evangelizam e os que irão ser evangelizados são do mesmo território e exprime a mesma linguagem e história.[8] "Os santos padres da Igreja foram grandes defensores da missão cristã, pois sabiam que a salvação em Cristo não é um privilégio exclusivo de uma cultura ou de um povo, mas um chamado universal que deve ser levado a todos"[9]
As pessoas vão divulgando a mensagem de Jesus aos pagãos, de modo a constituir seguidores e comunidades (cf. Atos 17,16-34). A missão aconteceu de uma forma geral no império e era mais urbana que rural, expandindo por diversas regiões.[10] Algumas comunidades já havia serviços próprios, como os diáconos, os presbíteros, os bispos, e muitos leigos e leigas comprometidos (cf.At. 6,1-6; 1Tim. 3,1-13; Rom. 16).
A missão cristã no Império aproveitou da cultura e da tradição existente, adaptando ao contexto para alcançar as pessoas. As comunidades cristãs em crescimento desenvolveram estruturas e serviços próprios, buscando viver e testemunhar a mensagem de Jesus de maneira prática e concreta.
3. A missão e os santos padres
No primeiro século, a divulgação do cristianismo é mais interna da comunidade, mas ela também vai ao encontro dos pagãos, e também dos gregos e do mundo romano. Clemente Romano escreveu, no final do primeiro século, para os Coríntios[11], exortando para unidade, uma vez que houve ali uma revolta contra os dirigentes da comunidade, presbíteros e bispos, os assim “eleitos de Deus”. Ele diz que o nome venerável deles ficou comprometido.[12] Dessa forma, o Bispo de Roma diz aos insensatos, que fizeram essas coisas, para que pratiquem as virtudes da paz, do amor. Para isso é preciso o arrependimento, a obediência e a fé em Cristo Jesus (cf. Lc.24,47; 1Jo. 2,3-6).
Inácio de Antioquia, em suas cartas, da missão que prosseguia pelo mundo. Ele estava vindo de Antioquia para ser julgado em Roma e aproveitou para escrever cartas às comunidades cristãs. Em todas, ele admoestava os fiéis para andarem juntos com as exortações de seus bispos; sem isso não se poderia realizar nada no que diz respeito à Igreja.[13]
As cartas de Inácio estão cheias de ensinamentos sobre a Igreja no início do século II. Momento crucial. Se, de um lado, os apóstolos morreram uns após outros, de outro lado a sombra do seu prestigio continua a projetar-se sobre as regiões evangelizadas. A Igreja ampliou-se e continua a prosperar no meio das perseguições. Organiza-se, estrutura-se, hierarquiza-se. O episcopado é solidamente fundado nas comunidades da Asia Menor, como o atestam as cartas de Inácio. Mutação e expansão chocam-se com as dificuldades que elas mesmas provocam. A multidão respingada de novos crentes contém, como o cesto do Evangelho, uma mistura. Pesam ameaças sobre as comunidades. A autoridade é discutida, e talvez aceita com queixas. Inácio volta incessantemente a insistir sobre a unidade do clero e dos fiéis em torno do bispo, os quais devem harmonizar-se "como as cordas da lira".[14]
A figura de Policarpo, bispo de Esmirna. Sem dúvida, influenciou a comunidade na fé e na organização dos serviços eclesiais. A missão estava presente e era algo presente nos discípulos de sua comunidade. Ele se dirige através da carta aos Filipenses, onde ele coloca o dever dos esposos, das viúvas, dos diáconos, dos jovens e dos presbíteros.[15] No seu martírio, os pagãos e os judeus o identificaram como o mestre da Ásia, o pai dos cristãos.[16]
Orígenes fala de muitos que percorriam, não só as cidades, mas também as aldeias e sítios para trazerem as pessoas à piedade de Deus. Eles não realizavam tais coisas para se enriquecer, porque eles se contentavam com o indispensável, e muitos partilhavam com eles o que era supérfluo[17]
Outro Padre que podemos descrever que escreveu extensivamente sobre a primeira missão cristã é São Jerônimo. Em seus "Comentário sobre Mateus"[18], ele descreve a missão de São Pedro em Jerusalém e como ele estabeleceu a Igreja na cidade. Jerônimo também escreveu sobre a missão de São Paulo e sua viagem missionária pelas cidades do Império Romano. Ele enfatizou a importância da pregação e da evangelização na formação da Igreja.
Conclui-se que os padres da Igreja utilizaram os relatos e ensinamentos dos apóstolos como fonte de autoridade em suas próprias obras. Eles buscaram preservar e transmitir a tradição apostólica, tanto oral quanto escrita. Deste modo, contribuíram para a preservação da mensagem e da missão original dos apóstolos. É importante notar que nem todos os Padres da Igreja estavam diretamente envolvidos na primeira missão cristã. Alguns deles viveram em tempos diferentes e regiões distantes das áreas onde o cristianismo estava se espalhando rapidamente. No entanto, mesmo aqueles que não estavam diretamente envolvidos na missão inicial foram influenciados por ela e buscaram continuar a missão da Igreja em suas próprias comunidades e contextos.
Conclusão
Conclui-se que as primeiras missões cristãs tiveram um impacto significativo na formação da Igreja primitiva e na disseminação da mensagem cristã pelo mundo. A missão leva a propagação do Evangelho e da comunhão na formação da Igreja Primitiva. A relação entre os Padres da Igreja e a primeira missão cristã é complexa e diversificada. Alguns Padres da Igreja foram missionários ativos, enquanto outros preservaram e interpretaram a tradição apostólica em seus escritos e ensinamentos. No entanto, todos eles desempenharam um papel crucial na disseminação e desenvolvimento do cristianismo nos primeiros séculos.
Referências
BÍBLIA DE JERUSALÉM, ed, Paulus, 2002.
PADOVESE, Luigi. Introdução a teologia patrística. São Paulo: Edições Loyola, 2004. p.179.
_____.Os Padres da Igreja, A. Hamman. Edições Paulinas, 1980. P.12.
SANTO AGOSTINHO. A cidade de Deus. São Paulo: Paulus, 2002.
SANTO AGOSTINHO. Comentário ao Evangelho de João. São Paulo: Paulus, 1995.
SÃO JOÃO CRISÓSTOMO. Homilias sobre o Evangelho de São Mateus. São Paulo: Paulus, 2000.
BROWN, Peter. O Mundo Antigo e o Cristianismo. São Paulo: Paulus, 2009.
MARTINS, Davi; FABRÍCIO, Marcelo. História do Cristianismo: Uma Introdução. São Paulo: Vida Nova, 2018.
FIGUEIREDO, Fernando Antônio. Curso de Teologia Patrística: Séculos I e II. Petrópolis: Vozes, 1983.
ALVES, José. Os santos padres e a missão cristã. São Paulo: Paulus, 2015.
DIDAQUÉ, 11. In: Padres Apostólicos. São Paulo: Paulinas, 1995.
[1] BÍBLIA DE JERUSALÉM, ed, Paulus, 2002. [2] PADOVESE, Luigi. Introdução a teologia patrística. São Paulo: Edições Loyola, 2004. p.179. [3] PADOVESE, 2004. p.180. [4] Os Padres da Igreja, A. Hamman. Edições Paulinas, 1980. P.12. [5] "A mensagem cristã era vista por muitos romanos como uma ameaça à estabilidade política e social do Império. O cristianismo era uma religião que não reconhecia os deuses romanos e pregava a adoração a apenas um Deus. Além disso, os cristãos eram vistos como uma seita fechada e suspeita, que se reunia em segredo para praticar seus ritos." BROWN, Peter. O Mundo Antigo e o Cristianismo. São Paulo: Paulus, 2009. p. 32. [6] "A proclamação do evangelho no contexto romano era uma tarefa difícil, pois a religião politeísta era muito presente na sociedade. A religião era um elemento importante na vida dos romanos, e os deuses eram vistos como protetores da cidade e da família. A religião, portanto, era vista como uma questão de segurança nacional." MARTINS, Davi; FABRÍCIO, Marcelo. História do Cristianismo: Uma Introdução. São Paulo: Vida Nova, 2018. p. 47. [7] FIGUEIREDO, Fernando Antônio. Curso de Teologia Patrística: Séculos I e II. Petrópolis: Vozes, 1983. p. 13. [8] PADOVESE, 2004. p.183. [9] CONGAR, Yves. A Igreja de todos os tempos: história e doutrina da Igreja católica. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1983. p. 70. [10] Palestina, Síria, Egito, Norte da África e Itália [11] FOLCH GOMES, C. Antologia dos Santos Padres. São Paulo: Paulinas, 1979. 1-28. [12] Primeira carta de Clemente aos Coríntios, Padres Apostólicos. São Paulo: Paulus, 1995.1, 1. [13] Inácio aos Esmirniotas, In: Padres Apostólicos. São Paulo: Paulus, 1995. 8,1. [14] ____. Os Padres da Igreja, A. Hamman. Edições Paulinas, 1980. p.19. [15] Policarpo aos Filipenses, Padres Apostólicos. São Paulo: Paulus, 1995. 4-6. [16] Martírio de São Policarpo, Padres Apostólicos. São Paulo: Paulus, 1995. 12, 2. [17] ORÍGENES. Contra Celso, III, São Paulo: Paulus, 2004. 9. [18] Jerônimo. Comentário ao Evangelho de São Mateus.Paulus: São Paulo, 2013.
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